“Todas as famílias se
parecem.
Cada família infeliz é
infeliz à sua maneira.” (Tolstói, em Anna Kariênina)
Na primavera de 2002, Asne
Seierstad viveu três meses com uma família afegã. A jornalista norueguesa foi previamente
foi autorizada a publicar suas anotações, o que não impediu que o patriarca, Sultan
Khan, a processasse, pedindo compensações financeiras. Como resultado do
julgamento, a escritora doou parte dos direitos autorais a uma fundação que
visa promover a literatura afegã, por sugestão da própria autora.
A reportagem, narrada por
uma escritora hábil e inteligente, transformou-se em um romance original. A
família com quem Asne viveu não é paradigma para as famílias afegãs: em um
universo em que três quartos da população não sabe ler nem escrever, o
patriarca é dono de uma livraria e vários membros falam inglês perfeitamente.
Asne publicou histórias que
vivenciou ou que lhe foram contadas: as limitações impostas às mulheres e aos
irmãos mais novos; a exploração sexual de jovens viúvas; a morte da mulher
adúltera, sufocada com um travesseiro, pelos irmãos.
Sempre sob a proteção da
burca, teve a autora a liberdade do anonimato para observar. Como era hóspede,
não se submetia aos rigores das regras patriarcais, e pode participar tanto do
universo masculino como do feminino.
A obra é um sucesso e
consta da lista dos livros mais vendidos, segundo o New York
Times.
“Nas famílias, a tradição é tudo: são os
homens que decidem. Apenas uma minoria das mulheres de Cabul largou a burca, e
a maioria nem sabe que suas ancestrais, mulheres afegãs do século passado,
desconheciam esse traje. Foi durante o regime do rei Habibullah, entre 1901 e
1919, que a burca foi introduzida. Ele impõs às duzentas mulheres do seu harém
o uso da burca, para que não tentassem outros homens com seus belos rostos
quando estavam fora dos portões do castelo. O véu que cobria tudo era de seda
com bordados elaborados, e as princesas de Habibullah tinham até burcas
bordadas com fios de ouro. Assim, virou um traje para a classe alta, para
protegê-las dos olhares do povo. Nos anos 1950, o uso da burca já estava
difundido no país inteiro, principalmente entre os ricos.
A burca também tinha
opositores. Em 1959, o primeiro-ministro, o príncipe Daoud, chocou o país ao
aparecer na comemoração do dia da pátria com sua esposa sem a burca. Ele tinha
persuadido o irmão a deixar sua esposa fazer o mesmo, e pediu aos ministros que
jogassem fora as burcas de suas mulheres. Já no dia seguinte podiam-se ver
várias mulheres nas ruas de Cabul em sobretudos, óculos de sol e um
chapeuzinho. Mulheres que antes andavam totalmente encobertas. Já que o uso da
burca tinha começado nas esferas mais altas da sociedade, foram elas a
abandoná-lo primeiro. O vestuário, porém, havia se tornado um símbolo de status
entre os pobres, e muitas empregadas e criadas jovens passaram a usar as burcas
de seda de suas patroas. Primeiro, foram apenas os pashtun reinantes que
cobriam suas mulheres, mas depois outros grupos étnicos começaram a usar o
traje. Mas o príncipe Daoud queria banir a burca do Afeganistão. Em 1961, foi
criada uma lei que proibia o seu uso por funcionárias públicas. Foram
aconselhadas a se vestir no estilo ocidental. Levou vários anos para que a lei
fosse seguida, mas na Cabul dos anos 1970 praticamente não havia uma professora
ou secretária de Estado que não andasse de saia e blusa, enquanto os homens
vestiam ternos. As mulheres sem burca corriam, porém, o risco de levar uma bala
na perna ou de que fundamentalistas lhes jogassem ácido no rosto. Quando veio a
guerra civil e Cabul ganhou um regime islâmico, cada vez mais mulheres se
cobriram. Com o Talibã, todos os rostos de mulher sumiram das ruas de Cabul.”
(p. 113/114)
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Maria da Glória
Perez Delgado Sanches