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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Bases de uma Reforma Administrativa de Emergência

João Geraldo Piquet Carneiro *

Fórum Especial

3, 4 e 5 de setembro de 2008

* Advogado, foi Secretário Executivo e Coordenador do Programa Nacional de Desburocratização (1979-1985) e é
presidente do Instituto Helio Beltrão.

Versão Preliminar – Texto sujeito à revisões pelo(s) autor(es).
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BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
I – No rumo do colapso gerencial
Há sinais inquietantes da incapacidade do Executivo federal para administrar com um mínimo de
eficácia as demandas postas pela agenda do desenvolvimento econômico e social. O presidente da
República está indignado com a lentidão burocrática; os ministros alegam que as licitações públicas
se tornaram praticamente inexeqüíveis devido ao excesso de exigências formais; disputas entre
concorrentes na esfera do Judiciário ameaçam paralisar o aproveitamento energético do Rio
Madeira.
Providências para simplificar o comércio exterior – área crítica para a economia – esbarram no
conservadorismo de quase 40 órgãos e autoridades que são obrigatoriamente chamadas a opinar
sobre cada proposta.
O Tribunal de Contas da União detecta irregularidades em 70% das obras aeroportuárias. O
Ministério Público Federal obtém liminares em ações civis públicas para suspender obras em
andamento.

Os controles tornam-se mais rígidos e numerosos, os administradores públicos temem tomar
decisões e todo o processo decisório parece caminhar para a virtual paralisia. E a corrupção não dá
sinais de arrefecimento, nem surge qualquer idéia nova para moralizar e dinamizar a administração
pública.
A preocupação extravasa a esfera federal e atinge também os governos estaduais. Na Carta de
Brasília sobre Gestão Pública, de 28 de maio de 2008, o Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão e o Conselho Nacional de Secretários de Administração-CONSAD propõem as bases de um
pacto para melhorar a gestão pública. Assinalam que “é necessário repensar a forma de organização
e funcionamento do Estado” e que o arcabouço legal e institucional da administração pública é, de
maneira geral, muito pesado e calcado em valores e práticas que estão ultrapassados...”. E conclama
a que se inclua “o tema da gestão pública na agenda política dos governos”. Seguem-se excelentes
propostas concretas de ação que infelizmente sabemos que não terão respaldo político suficiente
dentro do Executivo.
A coordenação administrativa, um dos princípios nucleares do Decreto-Lei 200, de 1967, se autoinviabiliza
num mar de órgãos, ministérios e secretarias, muitos deles sem missão específica e
estrutura adequada mas que de todo modo congestionam o fluxo decisório da administração.
Apesar da convergência de diagnóstico, as circunstâncias políticas não sugerem seja viável qualquer
tipo de reforma administrativa mais abrangente, haja vista a multiplicidade de fatores que
obrigatoriamente teriam de ser levados em conta e a dificuldade jurídica e política de sua adoção.
Talvez até, pelas razões que exporei mais adiante, sequer seja o caso de uma grande reforma; ao
contrário, medidas pontuais seriam mais fáceis de transitar no ambiente político.
Há porém alguns aspectos consensuais que poderiam ser desde logo enfrentados, como procurarei a
seguir demonstrar.
II – Esgotamento do modelo de partilha de cargos como instrumento de
manutenção da base de apoio parlamentar.
Desde o retorno ao governo civil, em 1985, ficou estabelecido que as áreas governamentais ligadas
à formulação e execução da política econômica ficariam excluídas da negociação de cargos. Essas
áreas “técnicas” abrangem principalmente o Banco Central, o ministério da Fazenda, o ministério
do Planejamento e Orçamento, a Secretaria do Tesouro e a Secretaria da Receita Federal.
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
3
Nos quinze anos seguintes, a preocupação dos governos foi primordialmente o controle da inflação
e o reequilíbrio das contas públicas. Ou seja, o esforço de gestão era, do ponto de vista prático,
aumentar a arrecadação, de um lado, e conter a despesa, de outro. Portanto, os órgãos críticos eram
o Banco Central em matéria de juros, a Secretaria do Tesouro na contenção da despesa e a Receita
Federal na ampliação da arrecadação de tributos. Fórmula simples e bem sucedida. Tal modelo dava
espaço para o presidente da República negociar a formação de uma base parlamentar de apoio, sem
pôr em risco a complexa gestão da economia. Fórmula que só viria a dar certo após a adoção do
Plano Real.
As dificuldades de manutenção desse modelo começam a surgir quando se recoloca a retomada do
crescimento econômico como prioridade do governo. Pela simples razão de que investir bem e
racionalmente demanda conhecimento técnico e gestão adequada dos órgãos setoriais. Esse nível de
sofisticação e seriedade não convive bem, é óbvio, com a política distribuição de cargos e recursos
orçamentários, principalmente nas áreas responsáveis pela infraestrutura.
Registre-se que o número de ministérios e secretarias com status de ministério passaram de 17 em
1990 para 34 em 2008. Ainda que vários desses órgãos não tenham orçamentos expressivos, sua
simples existência gera controles onerosos para a própria administração e não contribui para a
agililidade do processo decisório administrativo. Nem constituem centros de excelência.
III – O regime jurídico único e a indefinição do grau de autonomia financeira e
gerencial das entidades autárquicas.
Outra questão crucial para o aperfeiçoamento da gestão pública federal reside no recrutamento e
reciclagem de servidores. Nesse sentido, a flexibilização do regime jurídico único instituído no art.
39 da Constituição de 1988 é providência imprescindível. Por ele, os servidores públicos federais,
estaduais e municipais da administração direta, das autarquias e das fundações públicas ficaram
submetidos exclusivamente ao regime estatutário, vedada a contratação por qualquer outro regime.
A emenda constitucional 19, de 1998, deu nova redação ao dispositivo constitucional para apenas
dizer que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política
de administração e remuneração de pessoal”, o que resultou na abolição do regime jurídico único.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, no ano passado, declarou inconstitucional o caput do art.
39 alterado pela emenda 19 e restabeleceu, portanto, o regime jurídico único. Ora, a idéia de um
regime jurídico único e homogêneo é totalmente incompatível com o grau de diferenciação e
especialização que se demanda de uma administração pública moderna.
Acresce que a experiência de terceirização de determinados serviços públicos não produziu os
efeitos imaginados como instrumento de flexibilização da contratação indireta de pessoal. Ao
contrário, provocou novas distorções e irregularidades. Simultaneamente, passou-se a abusar da
criação de cargos de confianças – algo hoje superior a 40.000 – voltados na maioria dos casos, para
acomodação de indicados políticos.
No que concerne à autonomia gerencial e financeira das autarquias, o que se nota na evolução
legislativa é grande hesitação em concedê -la nos termos previstos no Decreto-lei 200/1967. A
mesma emenda constitucional 19 procurou vincular o grau de autonomia a “contratos de gestão” –
uma experiência do direito administrativo francês de uso ainda bastante limitado e eficácia relativa.
Ou seja, a autonomia decisória passaria a depender antes do atingimento de certas metas prefixadas
do que em razão da natureza intrínseca do respectivo órgão.
Partiu-se então para algumas diferenciações terminológicas. As agências reguladoras de serviços
públicos foram designadas autarquias de natureza especial, para significar basicamente um grau
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
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maior de autonomia decisória (na realidade de independência decisória) nas questões específicas
substantivas que a lei lhes atribuiu discricionariedade técnica.
Finalmente, as agências executivas ainda são um nome em busca de uma missão específica. De
acordo com os respectivos normativos, as agências executivas são autarquias e fundações que
tenham “celebrado contrato de gestão” e que apresentem “plano estratégico para melhoria da
qualidade de gestão e para a redução de custos” 1
Objetivamente falando, fica claro que a ordem jurídica ainda reflete o temor atávico de que órgãos
dotados de efetiva autonomia gerencial e financeira possam se tornar núcleos de poder que
contrastem com a lógica do governo central.
No capítulo seguinte procurarei explicar essa evolução e esse retrocesso para, no final, propor uma
agenda mínima de reforma administrativa.
IV - Do pioneirismo ao retrocesso
A evolução do setor público federal nos últimos setenta anos é rica em reformas administrativas em
geral pioneiras e razoavelmente bem sucedidas. Tais reformas foram, por certo, essenciais para o
desenvolvimento econômico do país e a remodelação do setor público ao longo desse período.
Não obstante, os processos de reforma administrativa – sem exceção – sofreram regressões,
perderam ímpeto ou foram simplesmente descontinuados. As explicações mais freqüentemente
sugeridas apontam as “raízes históricas” como a força centrípeta que impede a expansão e a
definitiva consolidação dos processos de reforma. Por raízes históricas entende-se, em especial, o
patrimonialismo, a centralização administrativa e o formalismo inerentes ao modelo colonial
implantado no país. Tão fortes são essas características que, numa visão pessimista, o Brasil estaria
fadado a cumprir o destino de Sísifo: promover, num momento, com grande esforço, reformas
modernizadoras do aparelho de Estado e, logo após, permitir que elas se esvaziem.
Sem pretender diminuir o impacto do modelo colonial de administração sobre a organização
administr ativa, penso que, a esta altura, a explicação acadêmica seja insuficiente para justificar a
ocorrência de ciclos alternados de reforma e obsolescência da administração pública federal. Por
certo, fatores históricos e culturais – em especial a centralização administrativa – tiveram e ainda
têm peso específico na conformação do setor público e, em particular, no padrão de relacionamento
deste com os agentes econômicos e a sociedade de um modo geral. Mas devem ser encarados de
forma relativa, a começar pelo patrimonialismo.
Com efeito, não tem cabimento imputar à sociedade brasileira contemporânea ou às suas elites o
desejo de “ser parte do Estado” e “ser chamada de excelência” – na cáustica observação de Eça de
Queiroz. Ou que o funcionalismo público busque consciente ou inconscientemente se “apropriar”
do Estado. Ao contrário, todas as vezes em que a sociedade teve oportunidade, manifestou-se a
favor das reformas administrativas, principalmente quando resultaram em redução de encargos
burocráticos e na melhoria dos serviços públicos. De outro lado, as elites – “ilhas” de competência e
experiência – do setor público sempre foram a força motriz das reformas, pelo que também não se
lhes pode imputar qualquer parcela de responsabilidade pela descontinuidade das ref ormas.
Uma versão mais sofisticada e moderna do patrimonialismo – a apropriação dos recursos do Estado
e do processo decisório estatal por agentes econômicos privados aliados a parcelas da alta
1 Lucas Rocha Furtado, Curso de Direito Administrativo, 2007
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
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burocracia estatal – também é invocada para justificar o colapso das reformas. Mas a “privatização
do Estado”, ainda que óbvia em certos setores da atividade governamental, não é ampla o bastante
para ser culpada de todos os males da administração pública.
Se o peso do patrimonialismo e do modelo administrativo colo nial fosse absoluto, numa visão
imobilista do processo histórico, sequer teriam acontecido reformas de vulto. De resto, é improvável
que, decorridos 186 anos da independência nacional, mais de um século de forma republicana de
governo e de altíssimas taxas de crescimento econômico e de industrialização ao longo do século
XX, a regressão dos processos de reforma administrativa seja explicável, apenas, a partir da
persistência desses fatores remotos. No mínimo, é recomendável que se busquem causas mais
contemporâneas para explicação do fenômeno.
Por último, esclareço que esta análise será restrita à administração federal, diante da dificuldade de
se abordar a administração pública brasileira como um todo. Sem dúvida, a riqueza e diversidade de
situações inerentes às administrações estaduais e municipais torna arriscada qualquer tentativa de
generalização. A única referência será à reforma administrativa do antigo Estado da Guanabara em
face do seu impacto na reforma federal de 1967 e de sua incrível atualidade conceitual e política.
V - Eficácia relativa das reformas administrativas
Antes de ingressar na análise das reformas da administração pública brasileira, convém assinalar
que, de um modo geral, reformas abrangentes do setor público raramente atingem, em qualquer
sociedade, os níveis preestabelecidos de abrangência e eficácia. A menos que se processem no bojo
de mudanças revolucionárias mais amplas, como ocorreu com a Revolução Francesa, a Revolução
Meiji, no Japão do século passado, e com a Revolução Russa, do início deste século. Nesses casos,
porém, as reformas administrativas foram a conseqüência inevitável de rupturas drásticas da ordem
política, econômica e jurídica anteriormente em vigor. Fora dos ciclos revolucionários, ou seja, em
circunstâncias normais – aqui incluídos os ciclos autoritários de governo, mas não revolucionários
no sentido estrito do termo – as reformas terminam ficando aquém das expectativas, não só dos que
delas fazem a crônica posterior mas também de seus próprios executores.
O descompasso entre as metas pretendidas e os resultados efetivamente alcançados decorre das
dificuldades inerentes a qualquer processo de reforma administrativa, o qual esbarra em obstáculos
de natureza política, cultural e econômica. De fato, reformas administrativas implicam mudança de
posturas e valores solidamente instalados na administração pública. Não é tarefa simples convencer
a cúpula da administração que a descentralização e a delegação de competência são instrumentos
essenciais à agilização e ao aperfeiçoamento do processo decisório estatal. Da mesma forma, o
funcionário de escalão intermediário, pouco afeito a decidir, resiste em receber encargos que lhe
atribuam função decisória.
Outra ordem de limitações é de índole material. As reformas administrativas demandam
investimentos em pessoal (funcionários mal pagos não se dispõem a modificar posturas em prol de
uma reforma que poderá, até mesmo, custar-lhes o emprego), na melhoria dos serviços públicos, na
contratação de técnicos e, em certos casos, na ampliação dos quadros e na aquisição de
equipamentos. Ocorre que iniciativas reformistas afloram, geralmente, em momentos de crise do
setor público, justamente quando os recursos disponíveis são mais escassos. Ora, a utilização de
recursos escassos se contrapõe à noção vulgar, hoje amplamente difundida, de que a eficiência
estatal significa, antes de mais nada, reduzir o gasto público – uma contradição em termos com o
pressuposto de que é necessário gastar agora para auferir ganhos futuros. Estabelece-se, assim, o
divórcio entre o que é necessário fazer e o que é materialmente possível de ser alcançado dentro de
um projeto de reforma.
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
6
A experiência brasileira e internacional mais recente revela que as reformas administrativas
abrangentes encaram resistências quase intransponíveis. Como as estruturas governamentais se
agigantaram nas últimas décadas, é praticamente impossível fazer a reforma de fora para dentro ,
diante da impermeabilidade das grandes organizações dotadas de forte espírito de corpo. Daí porque
a tendência é hoje no sentido de se fazerem reformas pontuais que gerem ganhos incrementais e
permitam, mais adiante, ampliá-las para diferentes áreas da administração pública.
VI- Os ciclos reformadores e o papel das elites do serviço público
Feita a ressalva inicial a respeito da eficácia relativa das reformas administrativas, passo ao exame
da experiência brasileira nos últimos setenta anos e dos diferentes contextos em que essas reformas
ocorreram. A primeira delas teve lugar no Estado Novo, a partir da segunda metade da década de
30, e se iniciou com a criação do Departamento de Administração Civil do Serviço Público –
DASP, órgão encarregado de dar organicidade à administração federal em matéria de compras
públicas e de pessoal. A seguir, foi instituído e regulado o concurso para acesso à função pública,
mediante a adoção de provas nacionais, e o sistema do mérito para a promoção na carreira pública2.
No fim dos anos 30 e início da década de 40, surgem os Institutos de Previdência Social (os
“IAPs”), sob forma de autarquias dotadas de autonomia financeira e operacional. Foi o primeiro
esforço sério de descentralização administrativa e de busca de novos padrões de eficiência gerencial
que rompessem com o rigorismo formal aplicável aos órgãos centrais do governo. A participação de
um notável grupo de excelência administrativa – foi fundamental para lançar as bases de um novo
padrão de gestão pública no governo federal.
Outro ciclo de reformas inicia -se na década de 50 com a criação e consolidação das grandes
empresas estatais, como parte da estratégia de industrialização. Isso demandaria um grau de
flexibilidade decisória inexistente nos órgãos centrais de governo, razão pela qual no governo de
Juscelino Kubitschek (1955 a 1960) surgem os “grupo executivos”, sem natureza jurídica própria e
por isso mesmo livres dos controles impostos sobre as estruturas convencionais de governo. As
empresas estatais, dotadas de autonomia financeira e gerencial e regime jurídico semelhante ao das
empresas privadas, passaram a ser peças fundamentais ao novo ciclo de desenvolvimento
econômico. Sendo ainda frágil o setor privado nacional, os órgãos de fomento, tendo à frente o
BNDES e o Banco do Brasil, celeiros de técnicos de alta qualificação, tornaram-se instrumento
fundamentais de financiamento do processo de industrialização.
Uma importante reforma administrativa foi a do Estado da Guanabara, em 1962, no governo Carlos
Lacerda, a qual serviria de matriz para a reforma administrativa federal de 1967. De novo, lá estava
reunido o que havia de melhor na administração pública brasileira, em termos de competência e
experiência – remanescentes da administração federal no Rio de Janeiro – com uma estratégica de
gestão fundada na descentralização administrativa e na delegação de competência. Do ponto de
vista político, foi a primeira reforma administrativa promovida em pleno regime democrático.
O terceiro ciclo de reformas da administração federal teve início em 1965, no primeiro governo
militar. No governo deposto, o Ministério Extraordinário da Reforma Administrativa havia
promovido um primeiro diagnóstico sobre a administração federal, o qual foi aproveitado pela
Comissão de Reforma Administrativa constituída pelo Presidente da República General Castello
2 Mais tarde o DASP se tornaria sinônimo de centralização administrativa, principalmente em matéria de compras e de pessoal. Mas
seu sentido modernizador foi inquestionável.
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
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Branco3. Na Comissão, travou-se o confronto entre duas concepções antagônicas de reforma
administrativa. De um lado, os tradicionalistas, que entendiam o processo de reforma basicamente
como uma reformulação de estruturas, uma revisão do organograma da administração; de outro
lado, liderados por Helio Beltrão, que havia sido Secretário de Planejamento do Estado da
Guanabara, os que encaravam a reforma como um processo dinâmico, com ênfase no papel dos
servidores públicos como agentes da reforma e na prioridade à descentralização administrativa e à
delegação de competência. No final, prevaleceu a corrente moderna e seus princípios fundamentais
encontram-se na primeira parte do Decreto-lei 200 de 1967 – estatuto básico da Reforma
Administrativa.
A Reforma de 1967 logrou êxitos em várias frentes. Deu organicidade ao setor produtivo estatal,
consagrando o princípio da autonomia financeira e gerencial das empresas estatais e assegurandolhes
regime jurídico adequado; definiu o conceito de planejamento e coordenação administrativa e
criou o orçamento plurianual; além disso, preparou as bases da reforma constitucional que reforçou
a capacidade de organização interna do Executivo. No entanto, o endurecimento do regime militar,
a partir de 1969, impediu que a reforma chegasse à últimas conseqüências naquilo que era sua
verdadeira essência, posto que a centralização política ditada pelo regime militar era incompatível
com a descentralização administrativa. Esta teria sido fundamental para dar maior funcionalidade ao
sistema federativo, mediante delegação de atribuições executivas do centro para a periferia da
administração federal, e desta em direção aos estados e municípios4.
Um novo ciclo de reformas inicia-se em 1979, por meio do Programa Nacional de
Desburocratização. Seus princípios orientadores eram essencialmente os mesmos da reforma de
1967, porém com ênfase especial no atendimento dos interesses dos cidadãos e na melhoria da
qualidade do serviço público. Datam desse período várias iniciativas pioneiras destinadas a
assegurar tratamento diferenciado, inclusive no plano legislativo, às distintas questões sociais,
econômicas e administrativas, bem como a simplificar rotinas, controles e exigências de natureza
formal cujo custo se demonstrasse excessivo para os pobres e as pequenas empresas.
Dois grandes projetos oriundos do Programa de Desburocratização foram aprovados, em 1984, pelo
Congresso e se tornaram símbolos do esforço de reforma – o Juizado de Pequenas Causas,
destinado a ampliar o acesso à Justiça, e o Estatuto da Microempresa, que assegurava isenções
fiscais e redução de encargos bur ocráticos às empresas de porte reduzido. Ambos passaram a ter
normas específicas na Constituição de 1988, o que significou, do ponto de vista institucional, uma
importante inflexão no sentido da consagração do tratamento jurídico diferenciado, ou seja, do
rompimento, ao menos parcial, da vocação legislativa padronizadora e centralizadora.
Na década de 90, a reforma administrativa passa a ter como norte – em linha com o que já vinha
ocorrendo na Europa desde os anos 80 – a privatização de serviços públicos e a conseqüente criação
das agências reguladoras. Em junho de 1998, foi aprovada a emenda constitucional nº 19 com o
objetivo, entre outros, de mitigar o engessamento excessivo do setor público por controles
excessivos. Entre estes, a imposição do Regime Jurídico Único a todos os servidores públicos. Mas,
como já visto, o art. 39 caput foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pelo
que permanece em vigor o regime instituído em 1988.
No mesmo período, destaca-se a introdução do novo modelo regulatório das empresas
concessionárias de serviços públicos. A criação das agências reguladoras teve um início tumultuado
3 O ministro Estraordinário da Reforma Administrativa foi Amaral Peixoto, político do Estado do Rio de Janeiro e figura importante
desde o Estado Novo.
4 Governadores e prefeitos de capitais passaram a ser nomeados pelo Presidente da República.
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
8
pelo fato de que em alguns casos a privatização precedeu à criação desses órgãos. De todo, trata -se
de um sistema já implantado e irreversível, ainda que comporte aperfeiçoamentos adicionais e, em
particular, na melhor definição do poder discricionário das agências nos temas substantivos que lhe
são próprios e no controle finalístico e não apenar formal a que estão submetidas.
Importante é assinalar que ao longo de dessas sete décadas de sístoles e diástoles do ímpeto
reformador, sempre houve esforços isolados setoriais de grande importância para a manutenção de
um núcleo básico de qualidade do serviço público e de uma cultura reformadora. Destacam-se, sem
dúvida, o Banco Central, o Banco do Brasil, o BNDES como órgão de fomento, a Secretaria do
Tesouro Nacional e, no campo acadêmico, a Fundação Getúlio Vargas e diversas universidades
públicas e privadas.
VII-O ciclo declinante
Após o fim do ciclo de governos militares e especialmente a partir da Constituição de 1988,
verifica-se o arrefecimento do ímpeto reformador da administração pública. O realpolitik no
Congresso Nacional promoveu diversas mudanças no organograma federal com a criação, extinção
e recriação de órgãos públicos, com sérios prejuízos para a eficiência da gestão pública. Em
diversas circunstâncias ficou claro que a “reforma” administrativa não passava de um instrumento
ancilar de clientelismo político.
Com isso, instilou-se na administração federal um elemento de instabilidade extremamente grave.
Pois, toda vez que se muda a localização de um órgão e se alteram seus objetivos estruturais, neles
se instala um pr ocesso de crise que provoca paralisia do processo decisório e perda da memória
administrativa, além de fomentar conflitos de culturas (principalmente nas fusões) e insegurança no
seio do funcionalismo de carreira.5
O período do governo Collor também foi marcado por uma série de mudanças drásticas da estrutura
federal, porém não mais como linha auxiliar do clientelismo. Nesse período, a reforma tornou-se
um instrumento de marketing político do governo, tal como o combate às mordomias, a pregação do
Estado mínimo e as propostas de “enxugamento da máquina”6.
Diversos fatores contribuíram – e continuam contribuindo até hoje – para o esvaziamento do
processo de reforma administrativa federal. Em primeiro lugar, reduziu -se a contribuição das elites
modernizadoras, uma vez que, devido ao empobrecimento da administração federal, dissolveram-se
as “ilhas” de competência” e experiência.
Em segundo lugar, a Constituição de 1988 retirou do Executivo o poder de se auto-organizar.
Assim, mudanças na estrutura administrativa, como a criação de órgãos, passaram a depender da
chancela do Congresso, o que significou abrir ainda mais as portas à barganha política.
Em terceiro lugar, o modo pelo qual foi conduzida a reforma constitucional exacerbou sobremaneira
o corporativismo. Com efeito, a subdivisão temática do trabalho da Constituinte permitiu que
5 Um exemplo paradigmático ocorreu na área de Ciência e Tecnologia. De in ício, Ciência e Tecnologia faziam parte do Ministério da
Indústria e do Comércio; logo resolve u-se, por motivo político circunstancial, criar-se um ministério específico, extraído do MIC,
para cuidar do assunto; como o novo ministério não tinha quadro próprio, levou um pedaço dos funcionários do MIC; no momento
seguinte, houve nova conveniência política de refundir os dois minist érios, renomeando-se o antigo ministério para ministério da
Indústria, do Comércio e da Ciência e Tecnologia; dois anos depois, o novo o ministério foi mais uma vez cindido.
6 É desse período a criação do super-ministério da Infra- Estrtura, resultante da fusão de três ministérios — uma das mais insensatas
providências em matéria de desorganização administrativa. Provou-se impossível um único ministro controlar várias áreas
gigantescas, sendo que o peso específico de cada uma delas variava muito.
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
9
inúmeros grupos de interesses empresariais, regionais, setoriais, sindicais etc se organizassem para
pressionar os parlamentares.
O momento atual
O Governo Fernando Henrique Cardoso esteve comprometido desde o primeiro mandato, com a
Reforma do Estado, nesta compreendidas: a extinção ou abrandamento dos monopólios estatais, a
reforma do sistema previdenciário, a privatização de serviços públicos, a reforma tributária e a
reforma do Judiciário. A Reforma Administrativa (emenda 19 de 1998) teve em mira, entre outras
providências, dar flexibilidade ao regime jurídico dos servidores públicos (antes o regime era
“único”), permitir a demissão de servidores estáveis por insuficiência de desempenho e excesso de
quadros, fixar o teto de remuneração, além de “desconstitucionalizar” determinadas questões que
poderão ter tratamento mais adequado em nível infra-constitucional.
A reforma administrativa, em sentido estrito – como tal entendida a busca da eficiência
administrativa mediante a adoção de providências gerenciais destinadas a aumentar a eficácia do
processo decisório governamental, a promover a descentralização administrativa, a combater a
burocratização e a melhorar da qualidade dos serviços públicos – não constituiu prioridade do
governo.
VIII -Autoritarismo e reforma
Uma questão que emerge inevitavelmente da análise das reformas administrativas é a relação que
estas guardam com a natureza autoritária ou democrática do regime. O tema é de inegável
relevância.
À primeira vista, parece mais fácil promover reformas abrangentes em governos autoritários, pela
simples razão que neles as reformas podem ser sumariamente impostas sem consulta à sociedade,
aos eleitores e aos funcionários públicos. Nos governos democráticos, ao contrário, as reformas têm
que ser exaustivamente negociadas e a opinião pública passa a ter grande peso nas decisões.
Acresce que boa parte dos políticos ingressa na vida parlamentar sem experiência anterior no trato
de questões administrativas e, por isso mesmo, não se sensibiliza com as questões específicas da
eficiência gerencial do Estado. Finalmente, o clientelismo político exacerbado, que se segue aos
períodos autoritários, é por certo um obstáculo ao aperfeiçoamento da administração pública. Sem
dúvida, reformas administrativas não são populares no Congresso.
Certo é que as duas grandes reformas de âmbito federal – 1937 e 1967 – foram promovidas durante
regimes autoritários: o Estado Novo e a ditadura militar de 1964 a 1985. De fato, a causa da
"modernidade" administrativa governamental estava associada ao pensamento autoritário, tanto no
Estado Novo, inspirado na filosofia posistivista7, quanto no governo autoritário, como essência do
projeto de nação-potência formulado na Escola Superior de Guerra. Em ambas as reformas, o
Estado é visto como o instrumento por excelência de afirmação do poder nacional e como principal
promotor do desenvolvimento, sendo imprescindível que a estrutura administrativa estatal seja
eficiente.
Além disso, nos períodos autoritários jamais se deu especial relevo aos problemas decorrentes da
expansão do setor público. Ao contrário, ele sempre foi visto como uma necessidade estrutural do
projeto político e econômico. Vale dizer, a modernização, nas décadas de 30 e 60, operou-se pela
mão do Estado, tendo em vista, entre outros fatores, a fragilidade do setor privado. De qualquer
7 O positivismo, de Augusto Comte, teve importância maior no Brasil do que na Europa.
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
10
forma, existiam, nos dois momentos, “ilhas de competência” disponíveis para emprestar seus
conhecimentos à causa da reforma.
Ocorre que o autoritarismo, por sua própria índole, termina circunscrevendo, se não a eficácia, pelo
menos a solidificação das reformas administrativas. Pois, de um lado, impede que a sociedade e a
classe política participem do processo e, com isso, não as fazem avalistas das mudanças. De outro
lado, a natureza autoritária do regime impede que ele adote técnicas democráticas de gestão, em
particular a descentralização administrativa, como ocorreu em 1969 com o endurecimento do
regime militar.
Além disso, a experiência brasileira dos últimos sessenta anos revela que também é possível fazerse
reformas relevantes em períodos de democracia plena. Foi o que ocorreu com as reformas do
período Kubitschek, nos anos 50, que conviveram com estruturas arcaicas e com o clientelismo, e
com a reforma do Estado da Guanabara – especialmente ampla – no início dos anos 60.
O Programa Nacional de Desburocratização, apesar de ter sido implantado no último governo
militar, valeu-se de uma estratégia típica de governo democrático, por meio de ampla negociação
interna e externa e do debate aberto com o Congresso. Na realidade, grande parte do seu êxito
deveu-se justamente ao seu conteúdo democrático. Portanto, a causa da modernização
administrativa não é monopólio dos regimes autoritários, se bem que se torne de aplicação muito
mais complexa nos períodos de democracia plena.
Causas da descontinuidade das reformas
A retrospectiva dos ciclos de reforma, a partir dos anos 30, revela que as causas da sua
descontinuidade são variadas. Em primeiro lugar, o não preenchimento integral dos objetivos das
reformas não é característica brasileira, mas uma limitação inerente a qualquer reforma, em
particular as que se pretendem amplas, independentemente da natureza autoritária ou democrática
do regime político.
Em segundo lugar, fica claro que a instalação de governos democráticos após longos períodos
autoritários produz o arrefecimento das reformas administrativas. Isto se explica pelo surgimento de
novas prioridades políticas que, ao menos no primeiro momento, tiram das reformas seu sentido de
urgência. Além do mais, a volta à democracia enseja o recrudescimento do clientelismo e, portanto,
de práticas administrativas incompatíveis com o objetivo de eficácia gerencial inerente a essas
reformas8. O excesso de clientelismo pode ser também atribuído a certo grau de imaturidade
política inevitável ao fim de um ciclo autoritário.
A persistência de um modelo de ditadura “mitigada”, como ocorreu no último ciclo autoritário, em
que se manteve aberto o Congresso, porém emasculado e corrompido pelo Executivo, agravou o
potencial de clientelismo e entronizou práticas parlamentares espúrias, que se projetaram
inevitavelmente no ambiente político seguinte.
Em terceiro lugar, a alternância de ciclos autoritá rios e ciclos democráticos agravou sobremaneira a
disfuncionalidade do sempre imperfeito sistema federativo. A reforma constitucional de 1988
trouxe, efetivamente, o reforço da capacidade de arrecadação dos estados e municípios –
principalmente dos municípios – mas que não foi acompanhado da necessária descentralização de
8 Vale lembrar que, findo o Estado Novo, o primeiro Presidente da República pro tempore, José Linhares, então presidente do
Supremo Tribunal Federa l, promoveu imediatamente a nomeação de parentes e amigos – talvez o primeiro escândalo administrativo
do novo regime.
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
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encargos administrativos do centro para a periferia. Em decorrência, a União continuou com os
encargos, porém com menos recursos.
Na realidade, não se enfrentou até agora a questão nuclear da descentralização política como
instrumento essencial ao reforço da Federação. O padrão de relacionamento dos estados e
municípios com o governo central permaneceu inalterado: o regime tributário de impostos
compartilhados foi mantido, assim como também as transferências “voluntárias” de recursos
orçamentários da União para os estados e municípios – um poderoso instrumento de barganha
política do Executivo. Assim, manteve-se a disputa em torno de recursos escassos.
A crise fiscal e que atinge o governo federal e vários estados e municípios serviu para tornar mais
evidente a precariedade do sistema federativo. De um lado, o governo federal, que não abre mão do
poder de mando político sobre estados e municípios. De outro lado, os estados e municípios, que
disputam interminavelmente verbas federais. Ora, a combinação de centralização administrativa
federal com ausência de interesse das demais unidades federativas de assumir encargos
administrativos inerentes à descentralização de recursos forma o caldo da atual “crise federativa”.
Se conseguirmos situar na questão federativa o fator que leva à descontinuidade das reformas
administrativas federais, teremos dado um passo importante em direção à correta compreensão das
causas da descontinuidade administrativa. E estaremos falando de um fenômeno típico deste século
e não apenas do atrelamento a raízes históricas remotas.
Em quarto lugar, a dissolução das “ilhas de competência” da administração federal, principalmente
a partir de 1985, suprimiu o papel da elite de administradores públicos até então exercido nas
reformas administrativas. A crise fiscal, a deterioração dos salários públicos, a perda de perspectiva
de ascensão profissional no serviço público, o loteamento de cargos, a hostilidade de sucessivos
governos em relação ao funcionário público, a concorrência em termos salariais e de vantagens
indiretas oferecidas pelo setor privado – essas e várias outras foram causas do esvaziamento do
serviço público federal.
Em quinto lugar, ocorreu a banalização do conceito de reforma. Passou-se a chamar de “reforma
administrativa” simples alterações do organograma da administração que nada mais foram – com
mínimas exceções – que ajustes para atender arranjos políticos circunstanciais.
Nesse quadro, a coordenação administrativa – pedra angular de qualquer reforma – tornou-se
impraticável, sem nunca ter -se efetivado de forma adequada, diante da parlamentarização do
Executivo, praticada em escala sem precedentes. As propostas de reformas constitucionais, assim
como diversos projetos de lei oriundos do Executivo não traduziam consenso interno do governo e,
por conseguinte, dificultaram, até do ponto de vista técnico, o trabalho do Congresso. O melhor
exemplo foi a emenda da Previdência Social.
Por último, cabe salientar que o êxito de reformas administrativas e sua permanência e cristalização
sempre estão ligados a um projeto maior capaz de mobilizar as forças políticas. Foi assim em 37,
55, 67 e 79.
Das causas mencionadas, dou importância excepcional à questão federativa. Na realidade, depois de
100 anos não há ainda clareza conceitual e operacional a respeito da União e do governo federal. De
grande valia para a compreensão desse traço característico do nosso federalismo é a análise feita
recentemente por José Murilo de Carvalho9 a respeito da persistência da idéia de “império para
dentro”, que hoje persiste no sonho de ser o Brasil uma grande potência. Do ponto de vista
9 Além de Tordesilhas, Folha de São Paulo, 12.9.1999
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
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administrativo, ser ou não ser império é fator de perplexidade, pois fica-se sem saber se, para ser
grande, necessitamos de um governo federal grande e forte, comandante do desenvolvimento. Ou
se, ao contrário, deve ser forte a federação e menos influente o governo federal.
IX - Agenda mínima (ou emergencial) de uma reforma administrativa voltada para o
desenvolvimento econômico e social
1. Novo mapa de distribuição de cargos e verbas
Ainda que não se goste do presidencialismo de coalizão, ele é a única realidade disponível, até que
ocorra uma reforma integral do sistema político-eleitoral. Como isso não está no cenário previsível
dos próximos dois anos (pelo menos até as eleições gerais de 2010) e é urgente que se proceda a
uma reforma administrativa mínima, parece-me recomendável que se amplie a “área de exclusão”
da partilha política levando-se em conta duas variáveis: 1°) a importância específica do órgão e dos
recursos disponíveis para a promoção do desenvolvimento econômico e social (ex: área portuária e
de transportes, comunicações, energia etc); 2°) o grau de suscetibilidade do órgão à corrupção.
No primeiro caso, trata-se de um pacto anticlientelista que para ser efetivo terá que atingir a todas
as facções políticas. No segundo, de prevenção da corrupção, uma proposta que certamente virá ao
encontro de anseios sociais profundos e poderá adicional ao capital político do governo10.
Aqui – insisto - estamos tratando especificamente de prevenção da corrupção, tendo em vista que a
repressão segue o modelo reativo convencional, ou seja, a cada novo “escândalo” mobiliza-se o
aparato policial e do Judiciário e o Congresso mobiliza-se para instalar uma CPI.
A promoção da ética como instrumento de gestão pública consta do Programa de Governo do
Presidente Lula. No documento Combate à Corrupção – Compromisso com a Ética estão previstas
diversas iniciativas, entre as quais: a) ação coordenada de diversos órgãos da administração pública
no campo da ética; b) a transparência das decisões administrativas e o controle pela sociedade; c) a
modernização da gestão pública com vistas à boa governança; d) o aperfeiçoamento dos controles
interno e externo, inclusive com a participação de entidades da sociedade civil; e) a educação para a
cidadania democrática, de modo a inserir a ética de forma permanente na agenda dos servidores e
dos cidadãos; f) o combate à promiscuidade nas relações entre os setores público e privado de modo
a prevenir conflitos de interesse; g) novo padrão de relacionamento do Executivo com o
Legislativo. Alguns desses objetivos vêm sendo perseguidos pela Controladoria Geral da União,
pelo Ministério do Planejame nto e pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
Como providência de curto prazo, propõe-se a identificação dos órgãos e entidades mais suscetíveis
à corrupção, a partir de matrizes de risco já elaboradas, inclusive pela Comissão de Ética Pública.
Feita a identificação, esses órgãos e entidades passariam a ter tratamento diferenciado mais rigoroso
mediante monitoramento em tempo real dos processos de licitação e compra de bens e serviços. As
respectivas comissões de licitação seriam integradas por técnicos de outras áreas e, se possível, com
a participação de representantes do TCU e do Ministério Público.
2. Desburocratização dos processos licitatórios
As licitações públicas devem ser simplificadas para delas expurgar o excesso de controles formais e
que constituem um manancial de conflitos e impugnações. A atual legislação (Lei 8666) foi
10 Segundo pesquisa anual da CNT -Sensus, mais de 70% dos entrevistados acham que a corrupção no Brasil é um problema grava,
mais grave do que em outros países
BASES DE UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DE EMERGÊNCIA
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concebida com vistas a um quadro inflacionário fora de controle e portanto imprevisível quanto a
preços. Hoje, com moeda estável, são dispensáveis as mensurações físicas para fins de liberação de
pagamentos – verdadeiros convites à corrupção.
Outra providência, já adotada em algumas esferas estaduais, é inverter a ordem da licitação. Com
efeito, a fase de pré-qualificação de licitantes se transformou em verda deiro tormento para a
administração pública. Nela os interessados são obrigados a comprovar estado de regularidade
fiscal completa, quando tal exigência só faz sentido – se é que faz – em relação ao vencedor.
3. Abolição do regime jurídico único
O regime jurídico único foi e ainda é uma das mais nefastas experiências em matéria de
recrutamento de pessoal especializado para o serviço público. Graças a ele onerou-se o Estado e não
se garantiu a qualidade das contratações. O crescimento explosivo dos cargos de confiança deve-se,
em parte, à dificuldade de se atrair técnicos oriundos do setor privado para prestar serviços
diferenciados na esfera pública.
4. Instituição de pré -requisitos para a nomeação para cargos de confiança
Na Grã-Bretanha, que praticamente inventou o civil service , hoje funciona um serviço de seleção de
candidatos a diferentes cargos nos chamados Non-Departamental Public Bodies ou “Quangos”.
Não são exatamente cargos de confiança no sentido que nós aqui adotamos, porém se assemelham
na medida em que não fazem parte integral do quadro de servidores públicos de carreira. A criação
dessa figura resultou de uma recomendação feita em 1995 pelo Nolan Committee – uma dramática
revisão das práticas éticas dos membros do Parlamento.
Uma das funções do Commissioner é fixar critérios e padrões para o processo de seleção de
candidatos ao preenchimento de cargos públicos. Cabe-lhe estabelecer um Código de Práticas e
fiscalizar o processo de seleção de modo a assegurar que as nomeações sigam o critério do mérito e
se dêm dentro de uma justa e aberta competição (fair and open competition).
Não vejo dificuldade para que se adote algo semelhante para as nomeações para cargos de
confiança na administração federal. Imagino – e aqui vai uma sugestão – que a Secretaria de Gestão
do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão possa fazer um exame prévio de adequação de
candidatos a cargos de confiança baseado o currículo profissional do indicado. Pelo que estou
informado, Minas Gerais já pratica algo semelhante.
5. Restabelecimento da autonomia efetiva de órgãos e entidades da administração indireta
Na realidade, todo o esforço desenvolvido com a definição do grau de autonomia gerencial e
financeira de entidades da administração indireta (autarquias, autarquias es peciais, agências
executivas), desde a Constituição de 1988, é, no fundo, uma tentativa de se voltar aos princípios
norteadores constantes do Decreto-lei 200, de 1967. Se assim é, porque não voltarmos àqueles
princípios e corajosamente repristiná-los, como se diz no jargão jurídico?
Refiro-me, em particular, aos seus artigos 4° e 5° que definem as autarquias, empresas públicas,
sociedades de economia mista e fundações públicas, do artigo 6° que estabelece os cinco princípios
fundamentais da administração federal: planejamento, coordenação, descentralização, delegação
de competência e controle. E as definições constantes dos artigos 7° a 14. Seria um bom começo.

fonte: www.forumnacional.org.br/trf_arq.php?cod=EP02480

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